sexta-feira, 1 de maio de 2009

Modelo de Habeas Corpus

CHARLES JOSÉ DA COSTA, foi preso em flagrante delito pela prática do crime tipificado no art. 121, p. 2º, I, do CP, pois teria, no dia 26.10.2008, desferido uma facada em EDVAN ALVES DA SILVA. Segundo inquérito policial, Charles teria emprestado a quantia de R$ 50,00, em 25.09.2008, à vítima, tendo esta afirmado que lhe pagaria no mês seguinte. No dia dos fatos, o acusado cobrou a referida quantia, porém a vítima lhe disse: “deve não nego e pago quando puder e se eu quiser, e se você ficar de onde eu te dou um teco”. Diante das ameaças proferidas pela vítima, iniciou-se uma discussão, quando de repente, o acusado dirigiu-se até seu veículo, pegou uma faca que lá estava, se dirigiu até a vítima e lhe desferiu a facada, causando-lhe uma lesão leve na região lombar. A defensoria pública recebeu o flagrante e requereu a liberdade provisória do acusado, no dia 28.10.08 sendo-lhe indeferido al pedido pelo MM Juiz, na forma seguinte:

“A PRISÃO CAUTELAR DO PACIENTE É NECESSÁRIA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, E SE JUSTIFICA NA GRAVIDADE DA CONDUTA E NA PERICULOSIDADE DO AGENTE. ALÉM DA PRESENÇA DOS REQUISITOS QUE IMPEDEM A CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA, TRATA-SE DE CRIME HEDIONDO, QUE NÃO PERMITE A CONCESSÃO DA BENESSE, CONSOANTE DISPÕEM O ART. 2, II, DA LEI N. 8.072/90 E O ART. 5º, XLIII, DA CF.”

Diante disso, você, advogado, foi procurado pela mãe do acusado para que tome as providências cabíveis.
Excelentíssimo Senhor DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS









ANDERSON ALVES GARCIA, advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de Brasília, sob o número OAB/DF 17.000, vem perante Vossa Excelência, com fulcro no Art. 5º, LXVII, da Constituição Federal e dos Arts. 647 e 648, I, do Código de Processo Penal, impetrar



HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR

em favor de CHARLES JOSÉ DA COSTA, atualmente recolhido pela Secretaria de Segurança Pública, por força de prisão em flagrante ocorrida no dia 26 de outubro de 2009 e ainda MANTIDO PRESO por ato da autoridade coatora, o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária do Gama, tudo em conformidade com as razões de fato e de direito adiante aduzidas.

1. DOS FATOS

Segundo o inquérito policial, Charles teria emprestado a quantia de R$ 50,00, em 25.09.2008, à vítima, tendo esta afirmado que lhe pagaria no mês seguinte. No dia dos fatos, o acusado cobrou a referida quantia, porém a vítima lhe disse: “deve não nego e pago quando puder e se eu quiser, e se você ficar de onde eu te dou um teco”.
Diante das ameaças proferidas, iniciou-se uma discussão em que, posteriormente, o acusado usando-se de arma branca que havia pegado em seu veículo, dirigiu-se até a vítima e lhe desferiu uma facada, causando-lhe uma lesão leve na região lombar.
Preso em flagrante delito pela prática do crime tipificado no art. 121, p. 2º, I, c/c o art. 14, I, ambos do CP, encontra-se o paciente recolhido na Carceragem da CPE – Brasília/DF, desde a data de 26 de outubro.
Foi requerida, em 28.10.08, por intermédio da Defensoria Pública, a liberdade provisória do paciente, sendo-lhe indeferido o pedido pelo MM. Juiz de Direito em decisão assim ementada:

“A PRISÃO CAUTELAR DO PACIENTE É NECESSÁRIA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, E SE JUSTIFICA NA GRAVIDADE DA CONDUTA E NA PERICULOSIDADE DO AGENTE. ALÉM DA PRESENÇA DOS REQUISITOS QUE IMPEDEM A CONCESSÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA, TRATA-SE DE CRIME HEDIONDO, QUE NÃO PERMITE A CONCESSÃO DA BENESSE, CONSOANTE DISPÕEM O ART. 2, II, DA LEI N. 8.072/90 E O ART. 5º, XLIII, DA CF.”

Inconformado com indeferimento do pedido de liberdade provisória, é que impetra o presente Habeas Corpus perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT.

2.DO DIREITO
Como se depreende da análise do caso em tela, o Juiz de piso raso indeferiu a liberdade provisória do paciente apoiado nos argumentos singelos de ser necessária garantia e manutenção da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente, e a ausência dos requisitos da liberdade provisória.
Entretanto esse entendimento não deve prevalecer.
O indiciado foi qualificado como incurso no crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada, no entanto a tipificação legal apontada pela autoridade policial foi completamente distorcida dos fatos, imputando ao tipo qualificação que, em verdade, não existe.
Com efeito. O paciente, como consta do inquérito policial, em oportunidades diversas tentou cobrar o valor de sua dívida sendo informado pelo devedor que pagaria o devido em data próxima futura.
O valor em questão, R$ 50,00 (cinqüenta reais), à época dos fatos, correspondia a nada menos que mais de 12 % (doze por cento) do valor do salário mínimo pago a milhões de brasileiros, inclusive aposentados e pensionistas, que, diga-se de passagem, tentam sobreviver com este valor, dele inclusive retirando o necessário para alimentação básica, pagar água, luz, remédios e moradia.
Ressalte-se ainda o paciente ao cobrar o que era seu por direito, empréstimo concedido à vítima, se viu obrigado a ouvir desta que realmente estava lhe devendo o valor cobrado e ainda mais, pagaria apenas se quisesse e quando quisesse. Ora, trata-se de grande provocação a quem havia lhe confiado empréstimo quando este estava a passar por dificuldades financeiras.
E não é só isso. O paciente ainda foi obrigado a ouvir ameaça de morte caso continuasse a cobrar o que havia emprestado em confiança a quem, naquele momento, precisava. Em que pese seus antecedentes, tal fato não infirma o fato de que CHARLES JOSÉ DA COSTA possua valores morais que seja inatingíveis.
Ao contrário, com base em seus valores sociais e morais, verificando a dificuldade financeira por que passava a vítima, animou-se em conceder o empréstimo, mas estes valores foram fulminados com a resposta provocativa do devedor:

“Devo não nego e pago quando puder e se eu quiser, e se você ficar de onde eu te dou um teço.”

Mesmo injustamente provocado, tentou o paciente dissuadir a vítima a lhe pagar o que devia, entretanto, no calor da discussão, deferiu-lhe golpe que causou-lhe leve lesão na região lombar.
Como pode se depreender, ao acusado foi imposta equivocadamente hipótese qualificadora quando, em verdade, deveria ter sido atribuída à tipificação causa de diminuição de pena.
Não há que se falar em crime hediondo na medida em que, para o paciente, o valor em questão não se trata de mera bagatela fazendo com que a tentativa seja encarada como o motivo torpe elencado no inciso I do p. 2º do art. 121 do CP, mas sim valor necessário à sua subsistência.
Afastada a tese de crime hediondo praticado pelo paciente, cabível à hipótese a aplicação do disposto no inciso II do art. 2º da Lei 8.072/90 o que torna sua prisão em flagrante constrangimento ilegal.
Ainda que assim não fosse, consideradas as premissas de crime qualificado, tem-se por manifesta ilegalidade a negativa de liberdade provisória ao paciente na medida em que observa-se que sua prisão não se amolda à garantia da ordem pública prevista no art. 312 do Código de Processo Penal, uma vez que não foi demonstrado nos autos fato concreto que aponte para a sua periculosidade ou para a possibilidade de reiteração de prática criminosa.
O objetivo da Lei de Execução Penal é a de proporcionar de forma harmônica a reintegração social do condenado de volta ao convívio da sociedade e não o de expurgá-lo com uma pessoal irrecuperável.

Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.[1]

Conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal, a prisão cautelar jamais pode se revestir em caráter de antecipação do cumprimento da pena, pois seria uma afronta ao princípio da presunção da não – culpabilidade nos termos do art.5º, inciso LVII da Constituição Federal.
A prisão preventiva baseada na ordem pública e clamor público devem ater-se a uma interpretação mais extensa na avaliação da necessidade da prisão preventiva. O professor Guilherme de Souza Nucci lenciona que:
Entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, em regra é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de impunidade e de insegurança, cabe ao judiciário determinar o recolhimento do agente. A garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo binômio gravidade + repercussão social.[2]

De outra forma, tratando-se de crime hediondo, tem-se que não é óbice à liberdade do paciente, sobretudo em face da nova redação do § 3º e 4º II do art. 2º da Lei 8.072/90, com redação alterada pela Lei 11.464/07 inverbis
:
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)
§ 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade

Ressalte-se que o STF rotineiramente vem anulando decretos de prisão preventiva que não apresentam os devidos fundamentos e não apontam, de forma específica, a conduta praticada pelo réu a justificar a prisão antes da condenação, inclusive com julgamento recente sobre o tema vejamos;

EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DACHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que “[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslados, os originais baixarão à primeira instância para execução da pena.” A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
(...)
6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço.
8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida.[3]

Nessa esteira, o STJ acompanha este entendimento conforme se depreende do aresto seguinte:
EMENTA - Processual penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Tráfico de drogas. Prisão em flagrante delito. Liberdade provisória. Resguardo da ordem pública. Gravidade abstrata do delito. Repercussão social. Antecipação do cumprimento da reprimenda. Afronta à garantia constitucional da presunção de não-culpabilidade. Pequena quantidade de drogas. Trinta e um invólucros de maconha. Impossibilidade de comparação com os grandes traficantes que assolam o País. Vedação legal. Impossibilidade. Recurso provido.1. A gravidade abstrata do delito atribuído ao agente é insuficiente para a manutenção de sua prisão provisória, sob pena de afronta à garantia constitucional de presunção de não-culpabilidade. Precedentes.2. Da mesma forma, a invocação da repercussão social do delito não se presta para a justificação da constrição cautelar, sob pena de antecipação do cumprimento da reprimenda, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, notadamente quando a quantidade de drogas encontrada em poder dos agentes não se mostra expressiva. Precedentes.3. Unicamente a vedação legal contida no artigo 44 da Lei 11.343/2006 é insuficiente para o indeferimento da liberdade provisória, notadamente em face da edição da Lei 11.464/2007, posterior e geral em relação a todo e qualquer crime hediondo e/ou assemelhado. Precedentes.4. Dado provimento ao recurso para deferir ao recorrente os benefícios da liberdade provisória.[4]

O princípio constitucional da não-culpabilidade se por um lado não resta malferido diante da previsão no nosso ordenamento jurídico das prisões cautelares, por outro não permite que o Estado trate como culpado aquele que não sofreu condenação penal transitada em julgado. Desse modo, a constrição cautelar desse direito fundamental deve ter base empírica e concreta.


3. DO CABIMENTO DA LIMINAR



Estão preenchidos os requisitos autorizadores da tutela de urgência. O fumus boni iuris consubstanciado pelo direito acima exposto e o periculum in mora traduzido pelo constrangimento ilegal e desnecessário imposto ao paciente como apontado.


4. DOS PEDIDOS


Diante do exposto, requer seja-lhe concedido HABEAS CORPUS em favor do paciente CHARLES BARROS CLEMENTE, para que cesse a coação, determinando, ainda, seja expedido o competente alvará de soltura, para que seja, de imediato, posto em liberdade, por ser da mais absoluta justiça.


Nestes Termos, pede deferimento.


Brasília 06 de março de 2009


Anderson Alves Garcia
Matrícula 04/0638-6

[1] Lei 7.210, de 11 de julho de 1984
[2] Código de Processo Penal Comentado 8ª edição pág. 618
[3] HABEAS CORPUS 84.078-7, julgado em 05/02/2009 pelo tribunal do Pleno Min. Rel. Eros Grau
[4] RECURSO EM HABEAS CORPUS N.º 24.349Rel.: Min.ª Jane Silva (Des. convocada do TJ/MG)/6.ª Turma, publicado no DJE de 1.º/12/2008

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